Há uns anos, numa das muitas
escolas por onde passei, estava eu a preparar-me para gozar o descanso fugidiço
de um intervalo da manhã, quando um aluno veio ter comigo e me colocou uma questão
que despoletou o seguinte diálogo entre nós:
— Ó Stôr, o meu
Stôr de Educação Física repreendeu-me por eu ter dito que tinha feito 50
agachamentos de pernas abertas no espaço de 1 minuto. Acha bem?
— Mas porquê? Achou
pouco?
— Não, não é isso!
O que ele me disse é que essa coisa “de pernas abertas” não está correto. O
Stôr é de Português e deve saber destas cenas, certo?
— Bom, de cenas pouco sei, pelo menos dessas.
Mas qual foi mesmo a justificação que ele te deu?
— Disse-me que isso
é um disparate, pois ninguém abre as pernas com uma faca para poder fazer
agachamentos. Estes, segundo ele, são feitos “de pernas afastadas”.
— Olha, rapaz, faz
aquilo que ele te diz. Continua a fazer os teus agachamentos e não compliques.
Com este comentário, dei por
terminada a nossa prosa e recolhi à sala de professores.
É verdade que deveria ter
prolongado a conversa e não deixar o aluno sem resposta. Mas estava cansado e ainda
tinha umas fotocópias para levantar na reprografia. Além disso, o que teria
para lhe dizer exigia algum tempo, coisa que não tinha.
De facto, parece-me adequado o comentário
do então meu colega de Educação Física. O que não achei correta foi a
justificação que apresentou ao aluno. Não é por essa expressão significar um
corte nas pernas que faz dela um disparate linguístico. Se assim fosse, estaria
igualmente errada a expressão “receber alguém de braços abertos”, tão vulgarizada
na nossa língua. “Pernas abertas” foi banida da terminologia do desporto tão só
porque configura um caso evidente de tabu linguístico.
Sim, este fenómeno existe e está
mais impregnado na nossa língua do que aquilo que possamos pensar. Sempre que
uma palavra ou expressão nos remete para planos de significação menos pudorosos,
tendemos a substituí-la por outra que não fira o ouvido mais sensível. Veja-se
o caso da palavra “bicha” (com sentido de fileira de pessoas) que, pelos mesmos
motivos, foi preterida em favor de “fila”. Neste caso, perdeu-se uma linda
metáfora, mas ganhou-se no pudor. Lembro ainda aqui a expressão “tens de te
haver comigo” em substituição de “tens de te avir comigo” que, não fosse a
força exercida pelo referido tabu, colocaria sob embaraço todo aquele que,
falando com alguém do sexo oposto, enunciasse uma coisa deste género:
— Desta não te
escapas! Hoje à noite, tens de te avir comigo.
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