16/06/2021

Linguagens inclusivas/neutras? Não, obrigado!



  Antes de mais, quero deixar claro que não sou daqueles que se batem pelo estaticismo da língua portuguesa, mas também não me quero prevalecer do estereótipo falacioso de que a língua é um organismo vivo. Ela só existe no uso que os seus utilizadores dela fazem e, claro, só destes dependem as suas mutações lexicais que, uma vez consagradas no seu uso, se perpetuam no tempo e merecem, no caso da Língua Portuguesa (LP), a aceitação das duas instituições com maior autoridade lexicográfica: a Academia das Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras.

  Sirvo-me desta nota introdutória como mote de reflexão em torno das chamadas línguas inclusivas e neutras. E, desde já, vinco a minha total discordância quer em relação a uma, quer em relação a outra. Os modismos são o que são e valem o que valem. Vejamos, primeiro, em que é que consiste cada um destes conceitos:

  1 – Linguagem inclusiva (não sexista)

  Trata-se de uma suposta variante que, não se propondo alterar o léxico da LP tal como o conhecemos, advoga uma comunicação pretensamente não discriminatória, sob o ponto de vista do género. Vejamos um exemplo muito recorrente: “Portugueses e portuguesas…”, quando um orador se dirige a um público compósito (homens e mulheres);

  2 – Linguagem neutra (não binária)

  Prossegue os mesmos objetivos da linguagem inclusiva, mas altera palavras já existentes ou introduz novos vocábulos. É o caso da neutralização das desinências de género do pronome “todos”. Vejamos um exemplo concreto: “Saiam todes da sala!”

  Na base destes dois tipos de linguagem, estão conhecidos movimentos feministas de todo o mundo, bem como organizações inclusivas de pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de género. Desenganem-se todos aqueles que veem na eclosão destas linguagens meras iniciativas efémeras. Não, estas linguagens estão a afirmar-se em todos os cantos do planeta, nomeadamente na Europa. Tomemos como ilustrativo o recente caso ocorrido em França, onde o respetivo poder político vetou o uso da chamada gramática igualitária em documentos oficiais, com a devida concordância da Academia Francesa que chegou mesmo a referir-se a esta tendência linguística como “um perigo de morte para a francofonia”.

  A flexão em género é uma característica do nosso idioma, à imagem do que acontece, genericamente, com as restantes línguas neolatinas. Sobre a origem desta flexão, nomeadamente da predominância do género masculino em algumas palavras (outrora com desinência neutra), já me pronunciei num artigo anterior, também aqui publicado. Alterar este status quo linguístico em nome da igualdade de género não faz para mim o menor sentido. É urgente acabar com aquilo que aqui rotulo como vanguardas fundamentalistas e que estas linguagens acima explicitadas não passem de um mero processo de intenções. Imagine-se termos agora que expandir os nossos dicionários com entradas de género regular: gato/gata; menino/menina... NÃO, OBRIGADO!

  As sociedades ainda permanecem fieis à sua matriz machista, é certo, mas não se remedeia um erro com outro erro. Não é pelo facto de um político iniciar os seus discursos com expressões como “portuguesas e portugueses” que se combate a discriminação de género. Haja coragem para o fazer, mas sem se recorrer a adornos linguísticos estéreis ou a quaisquer outros atavios infecundos.