Na edição do jornal Expresso do dia 10 de março deste ano, foi veiculada uma notícia sobre a guerra na Ucrânia que dava nota da vontade de o papa Francisco mediar um entendimento diplomático entre os dois líderes em conflito, tendo, inclusivamente, nomeado dois cardeais para esse efeito. A certa altura, lê-se o seguinte:
“As movimentações diplomáticas não esgotam, porém, as ações que o Papa Francisco tem levado a cabo nos últimos dias e que passaram pelo envio, para o cenário de guerra, de dois altos dignatários de Roma.”
Com todo o respeito que me merece o semanário informativo e o jornalista responsável pela redação do texto, não posso deixar de assinalar um erro de português que ocorre neste pequeno excerto, mais especificamente na palavra dignitário, aí escrita erradamente.
É certo que não se trata de um erro incomum, pelo contrário, ele ocorre com muita frequência no uso dial da nossa língua. Contudo, estamos a falar de um jornal de referência no universo da comunicação social, do qual se exige o devido rigor.
A tendência para o uso errado da palavra, na forma “dignatário”, decorre de um fenómeno de contágio marcado pela grafia do verbo “dignar”.
Trata-se de um vocábulo que resulta do aportuguesamento do “dignitaire” francês que, por sua vez, radica do termo latino “dignitate”. A história fonética da palavra “dignitário” revela-nos um possível estado intermédio que a fixou como “dignitatário”, já com a presença do sufixo “-ário”, sobre a qual foi exercida uma haplologia que fez cair a terceira sílaba, resultando na forma sincopada “dignitário”, atualmente usada na nossa língua.
Esta vocação evolutiva do vocabulário português para a supressão da primeira de duas sílabas semelhantes, em adjacência silábica, pode ser verificada também noutros casos concretos como:
bondade + oso —> bondadoso —> bondoso
caridade + oso —> caridadoso —> caridoso
cândido + ura —> candidura —> candura
idade + oso —> idadoso —> idoso
O fenómeno haplológico também ocorre noutras línguas, como é o caso da palavra inglesa probably:
probable + ly —> probablely —> probably
Encerro este texto, desejando aos meus dignitários leitores umas boas férias de verão (se for esse o caso), fazendo votos de que os próximos dias tragam a paz para a Ucrânia e Rússia, em vez de atitudes maldadosas (i.e. maldosas).