07/07/2022

Dignitário e não dignatário

   Na edição do jornal Expresso do dia 10 de março deste ano, foi veiculada uma notícia sobre a guerra na Ucrânia que dava nota da vontade de o papa Francisco mediar um entendimento diplomático entre os dois líderes em conflito, tendo, inclusivamente, nomeado dois cardeais para esse efeito. A certa altura, lê-se o seguinte:

 “As movimentações diplomáticas não esgotam, porém, as ações que o Papa Francisco tem levado a cabo nos últimos dias e que passaram pelo envio, para o cenário de guerra, de dois altos dignatários de Roma.”

   Com todo o respeito que me merece o semanário informativo e o jornalista responsável pela redação do texto, não posso deixar de assinalar um erro de português que ocorre neste pequeno excerto, mais especificamente na palavra dignitário, aí escrita erradamente.

   É certo que não se trata de um erro incomum, pelo contrário, ele ocorre com muita frequência no uso dial da nossa língua. Contudo, estamos a falar de um jornal de referência no universo da comunicação social, do qual se exige o devido rigor.

   A tendência para o uso errado da palavra, na forma “dignatário”, decorre de um fenómeno de contágio marcado pela grafia do verbo “dignar”.

   Trata-se de um vocábulo que resulta do aportuguesamento do “dignitaire” francês que, por sua vez, radica do termo latino “dignitate”. A história fonética da palavra “dignitário” revela-nos um possível estado intermédio que a fixou como “dignitatário”, já com a presença do sufixo “-ário”, sobre a qual foi exercida uma haplologia que fez cair a terceira sílaba, resultando na forma sincopada “dignitário”, atualmente usada na nossa língua.

   Esta vocação evolutiva do vocabulário português para a supressão da primeira de duas sílabas semelhantes, em adjacência silábica, pode ser verificada também noutros casos concretos como:

 bondade + oso    >     bondadoso     >    bondoso

caridade + oso    >     caridadoso     >    caridoso

cândido + ura     >     candidura       >    candura

idade + oso        >     idadoso           >    idoso

    O fenómeno haplológico também ocorre noutras línguas, como é o caso da palavra inglesa probably:

 probable + ly     >     probablely       >    probably

    Encerro este texto, desejando aos meus dignitários leitores umas boas férias de verão (se for esse o caso), fazendo votos de que os próximos dias tragam a paz para a Ucrânia e Rússia, em vez de atitudes maldadosas (i.e. maldosas).

 

 

 


03/04/2022

Sandes, Sande, Sanduíche?


 

Sandes, Sande, Sanduíche?

 

    A palavra sande tem suscitado dúvidas recorrentes em todos aqueles que gostam de fazer um bom uso da língua portuguesa. Para outros, no entanto, a questão nem se coloca pois o que importa é que o pão esteja fresco e o presunto venha em quantidades generosas.

    Devemos pedir uma sande, uma sandes ou uma sanduíche?

   A palavra sanduíche resulta de um aportuguesamento do vocábulo inglês sandwich. Através de um processo de truncação, a palavra foi reduzida a sand/sandes, tal como aconteceu, por exemplo, com a passagem de metropolitano a metro.

   Não é necessária uma abordagem estatística exaustiva para concluir que, no singular, a forma sandes se sobrepõe a sande no uso dial da língua lusa. No entanto, resulta numa irrefutabilidade a conclusão de que a forma sandes decorre da flexão regular de sande na sua variação em número, ou seja: uma sande, duas sandes. É esta a perspetiva normativista da questão, na base da qual somos levados a concluir que não se pode pedir uma sandes, mas uma sande.

   Acontece que, em língua alguma, os seus utilizadores se sentem reféns da inflexibilidade normativa quando falam ou escrevem. Aliás, alguns dicionários já lexicalizaram o plural da palavra no seu uso singularizado.

   Normas linguísticas à parte, a perspetiva descritivista dos especialistas diz-nos que o uso da forma sandes se consagrou nos mais variados contextos geográficos do país, pelo que de nada vale ao ímpeto purista da língua continuar a contrariar o que não é contrariável.

   Curiosidade:

   A palavra sandwich, enquanto epónimo, tem origens lendárias. Acredita-se que John Montagu, Conde da cidade britânica de Sandwich (séc. XVIII), era viciado em jogos de cartas. Envolvia-se tão entusiasticamente nas cartadas que se recusava suspendê-las no momento das suas refeições. Como forma de saciar o estômago sem abandonar a mesa de jogo, ordenava que lhe trouxessem um naco de carne assada entalada em duas fatias de pão. De quando em vez, variava o recheio com outras opções nutritivas. Os seus parceiros de jogo, ao constatar a natureza nutrícia e pragmática da bucha, trataram de a popularizar junto dos clubes londrinos da época.

21/03/2022

Gastão Cruz, para sempre


 

Faleceu, hoje, mais um talento da literatura portuguesa e, com ele, parte também um homem culto, um académico, um ser humano generoso.

Poeta, ensaísta e tradutor, entrou para o grande palco das belas letras lusitanas no ano de 1961 e, de lá para cá, não mais parou de bem escrever.

Agora, a morte percutiva "devolve ao chão as folhas e os ossos", mas preserva para o sempre o seu precioso estro.

Condolências à família e amigos.

Obrigado!

28/02/2022

Histórias com música - O peixinho cor de prata

 


 

Histórias com música: Chanfrisco - O pinto careca


 

Histórias com música, de Rogério Duarte


 

    Nem só de leitores adultos vivem as belas letras. Na esfera da literatura cabem igualmente os leitores de palmo e meio, sendo na multiplicidade da produção de textos que o património literário se constrói.

   A partir de agora, o "Esta língua que me fez" passará a publicar a rubrica "Histórias com música", de Rogério Duarte, um professor radicado em São Pedro do Sul, que dedicou uma parte substancial da sua vida à escrita para crianças, contando já com várias obras publicadas.

   Os seus livros estão agora disponíveis, em formato "contador de histórias", no canal do Youtube, pela voz do próprio autor, numa clara demonstração da arte de bem contar.

   Espero que gostem!