26/06/2018

Língua-de-trapos 6


Parafrasear não é citar. Chega de confusão!





Para início de conversa, saibamos o que nos diz a Antônio Houaiss (lexicógrafo consagrado e de inegável robustez académica) a propósito da entrada “parafrasear”, na primeira edição do seu Dicionário do Português Atual (2011):

Parafrasear: «interpretar ou explanar através de paráfrase; interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que a sua letra; maneira diferente de dizer algo que foi dito; frase sinónima de outra»

Poderíamos convocar a autoridade de outros lexicógrafos, igualmente conceituados, sobre a definição que nos propõe o dicionarista brasileiro, não fosse a redundância que daí colheríamos.

Fica, assim, clara uma diferença substancial entre o uso dos dois conceitos:

- Citamos, sempre que fazemos incorporar no nosso texto palavras de enunciação alheia, reproduzindo-as fielmente, no seu estado “selvagem”, sem interferências ou tentativas de restauração de re.

- Parafraseamos, sempre que recorremos a enunciados de pertença de terceiros, respeitando as ideias originais, mas sem preocupações de dicto, retocando-as ao nosso gosto com comentários opinativos complementares.

Não sobram dúvidas, portanto, sobre o uso da paráfrase (citação indireta) em alternativa à citação, ambas constituindo mecanismos textuais poderosos na sustentação de uma determinada linha argumentativa. No entanto, não é essa a prática generalizada a que assistimos diariamente, quer no uso quotidiano da língua portuguesa em registos conversacionais, quer em contextos mais formais de comunicação social ou mesmo dissertativos.

É disso bom exemplo o editorial de Mafalda Anjos da Visão digital, publicado no dia 4 de janeiro deste ano, que selecionei entre muitos outros textos que aqui poderia reproduzir:

[...] «Sabíamos que os jornalistas são hoje, parafraseando o poema de Sophia de Mello Breyner, como “os que avançam de frente para o mar” e “vivem de pouco pão e de luar” [...]

           É inegável o poder metafórico que resulta da interseção dos versos da Lusitânia (de Sophia de Mello Breyner) na linha argumentativa do texto da diretora da revista Visão. No entanto, não está, de todo, a parafrasear, mas a citar.

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