Parafrasear não é citar. Chega de confusão!
Para início de conversa, saibamos o que
nos diz a Antônio Houaiss (lexicógrafo consagrado e de inegável robustez
académica) a propósito da entrada “parafrasear”, na primeira edição do seu Dicionário
do Português Atual (2011):
Parafrasear: «interpretar ou
explanar através de paráfrase; interpretação ou tradução em que o autor procura
seguir mais o sentido do texto que a sua letra; maneira diferente de dizer algo
que foi dito; frase sinónima de outra»
Poderíamos convocar a autoridade de
outros lexicógrafos, igualmente conceituados, sobre a definição que nos propõe
o dicionarista brasileiro, não fosse a redundância que daí colheríamos.
Fica, assim, clara uma diferença
substancial entre o uso dos dois conceitos:
- Citamos, sempre que fazemos
incorporar no nosso texto palavras de enunciação alheia, reproduzindo-as
fielmente, no seu estado “selvagem”, sem interferências ou tentativas de
restauração de re.
- Parafraseamos, sempre que recorremos a
enunciados de pertença de terceiros, respeitando as ideias originais, mas sem
preocupações de dicto, retocando-as ao nosso gosto com comentários
opinativos complementares.
Não sobram dúvidas, portanto, sobre o
uso da paráfrase (citação indireta) em alternativa à citação, ambas
constituindo mecanismos textuais poderosos na sustentação de uma determinada
linha argumentativa. No entanto, não é essa a prática generalizada a que
assistimos diariamente, quer no uso quotidiano da língua portuguesa em registos
conversacionais, quer em contextos mais formais de comunicação social ou mesmo
dissertativos.
É disso bom exemplo o editorial de
Mafalda Anjos da Visão digital,
publicado no dia 4 de janeiro deste ano, que selecionei entre muitos outros
textos que aqui poderia reproduzir:
[...] «Sabíamos que os jornalistas são
hoje, parafraseando o poema de Sophia de Mello Breyner, como “os que avançam de
frente para o mar” e “vivem de pouco pão e de luar” [...]
É inegável o poder metafórico que resulta da interseção
dos versos da Lusitânia (de Sophia de Mello Breyner) na linha
argumentativa do texto da diretora da revista Visão. No entanto, não está, de
todo, a parafrasear, mas a citar.
Sem comentários:
Enviar um comentário