25/02/2017

Separata

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Há dias, uma aluna entregou-me um texto da sua própria lavra. Nada demais, já que não é a primeira vez que ela o faz. Só que agora fiquei especialmente sensibilizado não só pela escrita criativa a que já me habituou, mas pela confidência trazida para as letras e depositada em mim.
Tem 17 anos a doce moça e gosta de escrever. Diz-me que eu sou o culpado. Não vou negar o orgulho que sinto quando ouço esse elogio, mas a donzela traz consigo um talento que nasceu com ela.
Publicar aqui o seu escrito não resulta em inconfidência: ela permitiu que o fizesse.
Então cá vai a "SEPARATA":


Desde que vim parar a este mundo por uma coincidência infeliz, acho que nunca tive um desafio tão grande como expressar a infelicidade. Sempre me saiu de forma natural mostrar o meu riso com as pessoas com quem convivo diariamente ou a minha revolta, relativamente a injustiças como “porque é que as mulheres recebem menos ordenado do que os homens, pelo mesmo trabalho?” mas tenho a dizer que, 17 anos depois, ainda me é muito difícil falar sobre toda a angústia e todos os pensamentos negativos que me passam pela cabeça todos os dias.

Alguma vez se sentiram presos? Alguma vez sentiram que alguém vos fechou uma porta na cara? Ou uma janela nas vossas costas? Ficarem entre uma porta fechada e uma janela fechada, sem ter por onde sair e sem espaço para se mexerem. Hipoteticamente, claro. Alguma vez sentiram o ar cada vez mais escasso? Eu pergunto-me, o que é que uma pessoa diferente de mim faria nesta situação? Provavelmente tentaria arranjar uma forma de obter a tal mistura de gases indispensável à nossa vida e sair daquele espaço. O que é que eu faria? Provavelmente questionaria se esta falta de ar se devia ao facto de eu estar presa dentro de um espaço minúsculo ou de eu ter, eventualmente, deixado de procurar ar para respirar.

É fácil dizer a alguém para desabafar porque desabafar faz bem, mas e se, porventura, a pessoa não ansiar abrir o bico? Eu sei bem o que isso é. Quererem que eu fale sobre os pensamentos que muitas vezes me roubam o sono, mas eu prefiro deixar o mundo na ignorância. Porquê? Porque é difícil dizer a alguém que a caça ao ar está em vias de ser cancelada. Difícil de dizer e difícil de ouvir, tenho certeza.


Eu não me dou bem com partilhas, nunca foi uma parte de mim. Dizer a uma pessoa o que vai na minha cabeça quando nem eu tenho certezas do que se passa? Não. Não vou fazer isso. Recuso-me. O que deixa a questão do porquê deste terror de partilhar os meus pensamentos mais profundos. Talvez seja porque eu tenho a certeza de que os indivíduos desta sociedade se recusem a ver a minha realidade através dos meus olhos, porque, verdade seja dita, é uma realidade um pouco contorcida. Mas eu sempre fui diferente e é por isso que, num quarto enorme cheio de gente, eu me sinto sempre naquele espaço apertado, onde a porta me é fechada na cara e a janela nas costas; onde o ar não circula e onde eu vou deixando de tentar modificar o constante.

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