Se concebermos
a língua como um organismo vivo que
se vai fixando e reconstruindo numa perspetiva diacrónica, vulnerável a
neologismos, mas suficientemente robusta para garantir a sua resiliência
sistémica e coletiva, estaremos muito mais recetivos à mudança e, nomeadamente,
à dilatação do seu acervo lexical. Foi assim com o advérbio bué;
foi assim com adjetivo fixe; sê-lo-á com muitas outras
palavras. Trata-se da consagração de um uso irreversível, plenamente aceite pelos
mais conceituados lexicólogos.
No entanto, tem-se
assistido, ultimamente, à emergência de um novo termo que transcende os
tradicionais fenómenos de variação e mudança. Trata-se do adjetivo brutal,
muito disseminado pelos falantes de faixa etária mais tenra. A palavra não é
nova e até já estava inscrita na matriz latina (brutalis). No entanto, o seu semanticismo inverteu-se radicalmente.
Se antes ela significava “desumano/incivil”, ganhou agora semas completamente
antónimos aos originais, passando a significar “impressionante/espetacular”.
Trata-se de um claro exemplo daquilo que o linguista francês Oswald Ducrot
designou por teoria da delocutividade.
Presente em
praticamente todas as línguas, a derivação delocutiva consiste, grosso modo, na manutenção das
características fonéticas de uma palavra (garantida pela presença do seu
radical), deslocando-se o seu valor semântico para um extremo oposto. No caso,
parte-se da palavra bruto (do latim brutu
– “pesado/estúpido”) para brutal (do latim brutalis – “ferino/cruel”), mas com um
sentido contrário. Foi esse mesmo fenómeno que consagrou, em tempos mais idos,
o adjetivo bestial com um sentido agradável (do latim bestiale – “animalesco”), tendo por base a palavra besta
(do latim bestia – “fera”).
Apesar de
legitimada pela referida teoria e correndo eu o risco de me ver rotulado como cota teimoso,
vou mantendo a minha intransigência no uso da palavra brutal, confinando-a à
sua valência exclusivamente pejorativa.
Temos pena!
Um post fixe, bué de brutal, Alcídio.
ResponderEliminarAprendi o que é "delocutividade"
:-)
Grande abraço, Alex! Tipo, uma cena mesmo "à séria". :-)
EliminarEste post está BRUTAL! Hoops! Desculpe, às vezes saem-me estas tretas pseudo-urbanas. Este post está muito bom :) Sempre a aprender consigo. Delocutividade?! O Alcídio sabe cada coisa mais estranha! Para mim, "brutal" e "fixe" são apenas REP linguístico do mais fútil que há.
ResponderEliminarSei o que a Língua Portuguesa significa para si, Letícia. Sei como é exigente no seu uso e que não cede à lei do menor esforço na escolha das palavras. Obrigado.
Eliminar