Por favor, não me evacuem!
A palavra “evacuação” carrega em si uma linhagem latina que radica no étimo evacuātio. Nessa medida, poucas dúvidas sobram quanto à sua valência semântica que, não obstante algumas escorregadelas decorrentes de um uso pouco esclarecido mas frequente, se confina ao processo de “esvaziamento”. Assim, podemos evacuar espaços fechados, recipientes, zonas intestinais ou embalagens de conservação. O mesmo não me parece correto no que a pessoas diz respeito, a não ser que se trate da prática de embalsamação de corpos, onde as vísceras e os órgãos são extraídos e os tecidos desidratados.
Apesar da minha
tendência normativista, reservo uma margem bastante substancial para a
consagração do uso, ainda que este esbarre com regras sapientemente
estabelecidas por lexicógrafos de referência. Contrariar o rumo evolutivo e
natural da língua é procurar remar contra uma teimosa maré. Contudo, há casos
em que a norma se deve sobrepor ao uso incorreto, fazendo-se prevalecer a bem
do inestimável património coletivo que é a língua, nomeadamente a nossa. É o
caso da desajeitada contextualização que tem vindo a ser feita da palavra “evacuação”.
Basta que ouçamos um noticiário ou leiamos as páginas de um qualquer jornal
prestigiado para percebermos o quanto já vai dispersado o uso falacioso da dita
palavra.
Uma coisa é o senhor da mercearia ou o craque da bola falar sem
esclarecimento linguístico, outra coisa bem diferente é o impropério lexical
saído da boca ou da caneta de quem tem uma imagem a defender e deveria dar o
exemplo no uso das boas letras. A este propósito, vejamos um excerto do despacho normativo n.º 52/2009 de 27
de julho de 2009, do Ministério
da Saúde: «Atendendo a necessidade de agilizar os procedimentos subjacentes ao
processo de evacuação de doentes por
via aérea […]». Ora, como se não bastasse o facto de as pessoas visadas estarem
doentes, vem ainda o governo mandar que estas sejam esvaziadas lá nas alturas
ou expelidas, quem sabe, pela porta traseira de uma aeronave.
Aprende-se todos os dias. Mas, ó Alcídio, olhe que há pessoas que eu conheço, nomeadamente 99% dos políticos, que mereciam ser evacuados, no verdadeiro sentido da palavra. Gostei desta sua nova rubrica!
ResponderEliminarAinda bem que gostou, Letícia. Com a "Língua-de-trapos", pretendo trazer para este espaço algumas reflexões sobre solecismos e outros "ismos" menos próprios.
EliminarQuanto ao desejo que reserva para os políticos, permita-me que não faça sobre ele nenhum comentário (mas que teve piada, teve).