Plágio induzido ou angústia da influência?
Alma minha gentil, que te partiste A alma minha gentil que agora parte
Alma
minha gentil, que te partiste A alma
minha gentil que agora parte
Tão cedo desta vida descontente, Tão cedo deste mundo à outra vida,
Repousa lá no Céu eternamente, Terá certo no céu grata acolhida
E viva eu cá na terra sempre triste. Indo habitar sua mais beata parte.
Tão cedo desta vida descontente, Tão cedo deste mundo à outra vida,
Repousa lá no Céu eternamente, Terá certo no céu grata acolhida
E viva eu cá na terra sempre triste. Indo habitar sua mais beata parte.
Se lá no assento Etéreo, onde subiste, Ficando entre o terceiro lume e Marte,
Memória desta vida se consente, Será a vista do sol escurecida,
Não te esqueças daquele amor ardente, Virá depois, muita alma ao céu subida,
Que já nos olhos meus tão puro viste. Vê-la, portento de natura e arte.
E se vires que pode merecer-te E se pousasse entre Mercúrio e Lua,
Algũa cousa a dor que me ficou Brilhara mais do que eles nossa bela,
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Como só se espalhara a fama sua.
Roga a Deus, que teus anos encurtou, A Marte certo não chegara ela.
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Mas se mais alto o seu vulto flutua,
Quão cedo de meus olhos te levou. Vencera Jove e qualquer outra estrela.
Memória desta vida se consente, Será a vista do sol escurecida,
Não te esqueças daquele amor ardente, Virá depois, muita alma ao céu subida,
Que já nos olhos meus tão puro viste. Vê-la, portento de natura e arte.
E se vires que pode merecer-te E se pousasse entre Mercúrio e Lua,
Algũa cousa a dor que me ficou Brilhara mais do que eles nossa bela,
Da mágoa, sem remédio, de perder-te, Como só se espalhara a fama sua.
Roga a Deus, que teus anos encurtou, A Marte certo não chegara ela.
Que tão cedo de cá me leve a ver-te, Mas se mais alto o seu vulto flutua,
Quão cedo de meus olhos te levou. Vencera Jove e qualquer outra estrela.
Camões Petrarca
Decidi retomar aqui uma
altercação que já muita tinta fez correr, das extremidades de singelas penas e elegantes
aparos ao tóner das mais sofisticadas impressoras. Refiro-me ao alegado plágio
atribuído a Luís de Camões que, no dizer de alguns, tem o seu expoente maior na
primeira quadra de um soneto do florentino Petrarca (cf. acima).
É um facto que Petrarca influenciou
os poetas renascentistas na forma e no conteúdo. A ele se deve a estrutura do
soneto, por exemplo, apresentado em 14 versos, configurados em 2 quartetos e 2
tercetos, com versos decassílabos e rimas formatadas em esquemas ABBA – ABBA
nos quartetos e CDC – DCD nos tercetos. O conteúdo da sua lírica inaugura a
rotura com a atitude mediévica, trazendo o Homem para a centralidade da
reflexão. É neste advento intelectual que o sujeito lírico elege o Amor como a
manifestação mais próxima do Bem supremo, nos termos em que foi definido por
Platão.
Se é verdade que tudo isto é
perfeitamente percetível no Camões lírico, não menos verdade é o facto de o
próprio não fazer questão alguma de o negar, nem tão pouco o embuçar. Aliás,
tenho para mim que o príncipe dos poetas portugueses provoca claramente aqueles
movimentos intertextuais, para mostrar ao universo intelectual da época que não
só leu os grandes vultos da literatura europeia, como os consegue igualar ou
superar no talento. Foi assim com Petrarca nos sonetos e foi-o também com os
escritores clássicos em “Os Lusíadas”.
Não se trata aqui, portanto, de um
ingénuo plagiato, nem mesmo de uma reprodução inconsciente do texto lido, nos
termos definidos por Harold Bloom na sua obra “A angústia da influência”.
Trata-se, sim, de uma aproximação textual estrategicamente consciente, feita com engenho e arte.
Por isso, aqui te presto devida
homenagem,
Chamando a mim o estro de teu
seguidor Elmano,
«Camões, Grande Camões», em tua
só “roupagem”
Alheio talento em ti é puro
engano.
Não concordo com esse ponto de vista, mas respeito-o. Camões plagiou e partiu do princípio que, num tempo de analfabetismo acima dos 90%, ninguém daria por isso. Contudo, não deixa, só por isso, de ser o maior poeta português de todos os tempos.
ResponderEliminarÉ inegável que a entrada é muito semelhante.
ResponderEliminarMas tudo o resto me parece muito, muito diferente.
E a principal diferença – opinião meramente pessoal – é que o soneto de Camões é sensibilidade pura e o de Petrarca são palavras, apenas para cumprir a métrica (jmsg)
"Sensibilidade"
EliminarÉ isso mesmo, amigo Gonçalves. Se, como já o afirmei, o tronco principal da grande árvore das Humanidades é a Filosofia, a sensibilidade é a seiva que a mantém robusta. Um escritor sem sensibilidade jamais o será. Quando muito, elevar-se-á ao estatuto de “especialista em arranjos lexicais”.
És um filósofo, um homem do saber e da sabedoria. Conto com o teu contributo para cuidar “desta língua que nos fez”. Porque todo o pensamento é organizado através da língua materna, não fazemos mais do que a nossa obrigação se reconhecermos o quanto todos lhe devemos.
Se, fisicamente, nós somos aquilo que comemos, intelectualmente, somos aquilo que falamos.
Obrigado.
em inspiração aos seguintes. Petrarca viveu no séc XIV e CamõOs Lusíadas foi influência pela
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