Desta vez, trago aqui três ditados que muitos
de nós, com maior ou menor frequência, já proferimos no uso dial da nossa
benquista língua portuguesa.
Ao fazê-lo, nem sempre equacionamos o seu
alcance semântico, já que este faz bom sentido da forma como nos foi transmitido
e, por isso, não vemos qualquer necessidade de o questionar.
A verdade é que, no dizer de quem gosta de
sacholar a essência da matéria linguística, o significado dos referidos
“aforismos” já foi outro em tempos mais idos.
Mas passemos então à análise de cada um
deles;
1 - Esse rapaz não consegue
estar parado, “parece que tem bichos carpinteiros”
Este até já me foi dedicado, amiúde, quando era menino. É evidente
que o ditado assenta que nem uma luva àquelas pessoas que não conseguem estar
quedas e sossegadas por muito tempo (hiperativos, para ser mais preciso). Mas porquê “carpinteiros”? Haverá bichos
com tal ofício?! Bom, quem já viu algum animalejo de serrote na mão e lápis
entalado na orelha que traga até mim evidências de tão estranha experiência. Agora
a sério, de facto, existem escaravelhos que se alimentam de madeira, hábito que
até lhes mereceu o nome popular de bichos-carpinteiros. Assim até faz muito
sentido, pois a pessoa irrequieta dá a ideia de que tem este tipo de bicheza a
roê-lo por dentro.
No entanto, e em boa verdade, este
ditado já teve uma configuração lexical distinta: “esse rapaz não consegue estar parado, parece que tem bichos no corpo
inteiro.”;
2 – “Quem não tem cão, caça com gato”
Diz-se de um
caçador que, não tendo um cão de caça, se vê obrigado a remediar a situação
desvantajosa, caçando com um gato que, como todos bem sabemos, não está
geneticamente talhado para tais funções. Este ditado resulta, no entanto, de
uma corruptela de um outro mais antigo, a saber: “quem não tem cão caça como o gato”. A lógica deste aforismo
assenta no facto de que, sem a ajuda preciosa de um Boby de faro aguçado, resta ao caçador caçar sozinho, à imagem do
que é feito pelos Tarecos no seu
dia-a-dia;
3 – “Quem tem boca vai a Roma”
Ao que parece, o
ditado original seria “Quem tem boca vaia
Roma”, conferindo a legitimidade de vaiar Roma a todos quantos não se
conformavam com os excessos e erros de governança dos imperadores romanos da
antiguidade. Hoje em dia, por um processo que eu classificaria como cacofonia
invertida, a máxima perdeu o seu sentido original, para significar que é
possível chegar em qualquer sítio, bastando perguntar, a quem nos aparece pelo
caminho, qual é a melhor direção a tomar;
4 – “São ossos do ofício”
Na sua originalidade, esta
máxima/expressão era colada a quem, no exercício das suas funções laborais,
vivia momentos de enfastiamento por nada ter que fazer. Nessa aceção semântica,
a configuração seria esta: “são ócios
do ofício”. No entanto, a construção atual (“são ossos do ofício”) remete-nos para um sentido praticamente
antonímico, na medida em que evoca a necessidade inexorável de se dar
cumprimento a tarefas laborais mais difíceis e mais trabalhosas.
Concluindo, e
uma vez que as línguas gozam de um constante metamorfismo, seja ele de natureza
diacrónica, diatópica, diafásica ou diastrática, aceitemos como válida a
configuração atual dos referidos ditados e os sentidos que lhes são atribuídos
pelo senso comum, com a permissividade camoniana que o fenómeno demanda: “Todo
o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades”.