14/01/2017

Regionalismos (parte 1)




É muito comum a troça que alguns fazem da pronúncia de outros. Daí não viria grande mal ao mundo, não fossem alguns complementos zombeteiros que, normalmente, acompanham tais comentários:

- «Olha-me este! Mora em “Vijeu”! Ou melhor, mora em “Bijeu”. Não sabe falar, o bronco!»

Caros linguistas de mictório, se tão douta é a vossa avaliação, respondam-me lá:

- O que é “saber falar”?

Não sabem? Bom, então lá vai. Há uma coisa que se chama ortoépia. Dizem as regras desse ramo da gramática que devemos pronunciar as palavras de acordo com uma determinada norma-padrão. Ora, acontece que esta, tal como em quase tudo na língua, resulta de uma convenção e não de algo que é natural (por exemplo, a fidelidade às nossas raízes idiomáticas). Se, outrora, a pronúncia padrão foi sendo definida como aquela que era ouvida no eixo imaginário Coimbra-Leiria, agora, com a publicação do novo dicionário terminológico, ela deslocou-se para Lisboa. Porquê? Porque a normativização da pronúncia, na maioria das línguas, faz-se em função da forma como se fala nas capitais dos respetivos países. É normal, pois é aí que se encontram os grandes centros de decisão, as grandes instituições políticas e, essencialmente, os média de abrangência nacional, como é o caso da televisão e da rádio.
Resumindo, fulano “fala bem”, porque pronuncia as palavras no respeito por uma convenção espaciotemporal chamada norma-padrão. Repito, o critério é convencional, não é etimológico. Se assim não fosse, no Norte de Portugal e no Centro, dada a proximidade latente com o galego-Português, “falar-se-ia melhor”. São disso bons exemplos pronúncias como “atchar”, a sibilância do “s” ou a troca do “v” pelo “b”, muito frequentes no “castelhano” falado na Galiza.
Por isso, caros censores da pronúncia alheia, não faço nem farei qualquer esforço para renunciar às minhas marcas regionais, até porque elas desaparecerão, naturalmente e com o tempo, por força do poder televisivo. Não me espantarei, por isso, que um dia me ouça a pedir um “coalho” estufado, em vez de “coelho”. Também nada farei para o evitar. Até porque, assim procedendo, coloco a minha teimosia ao serviço do princípio valioso de Celso Cunha e Lindley Cintra, através do qual é veiculada a ideia de que é na enorme variedade linguística da lusofonia que reside grande parte da riqueza do nosso idioma.

Bem hajam!

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