É muito comum
a troça que alguns fazem da pronúncia de outros. Daí não viria grande mal ao
mundo, não fossem alguns complementos zombeteiros que, normalmente, acompanham
tais comentários:
- «Olha-me
este! Mora em “Vijeu”! Ou melhor, mora em “Bijeu”. Não sabe falar, o bronco!»
Caros
linguistas de mictório, se tão douta é a vossa avaliação, respondam-me lá:
- O que é “saber
falar”?
Não sabem?
Bom, então lá vai. Há uma coisa que se chama ortoépia. Dizem as
regras desse ramo da gramática que devemos pronunciar as palavras de acordo com
uma determinada norma-padrão. Ora, acontece que esta, tal como em quase tudo na
língua, resulta de uma convenção e não de algo que é natural (por exemplo, a
fidelidade às nossas raízes idiomáticas). Se, outrora, a pronúncia padrão foi
sendo definida como aquela que era ouvida no eixo imaginário Coimbra-Leiria,
agora, com a publicação do novo dicionário terminológico, ela deslocou-se para
Lisboa. Porquê? Porque a normativização da pronúncia, na maioria das línguas, faz-se
em função da forma como se fala nas capitais dos respetivos países. É normal,
pois é aí que se encontram os grandes centros de decisão, as grandes
instituições políticas e, essencialmente, os média de abrangência nacional,
como é o caso da televisão e da rádio.
Resumindo,
fulano “fala bem”, porque pronuncia as palavras no respeito por uma convenção
espaciotemporal chamada norma-padrão. Repito, o critério é convencional, não é
etimológico. Se assim não fosse, no Norte de Portugal e no Centro, dada a proximidade
latente com o galego-Português, “falar-se-ia melhor”. São disso bons exemplos
pronúncias como “atchar”, a sibilância do “s” ou a troca do “v” pelo “b”, muito
frequentes no “castelhano” falado na Galiza.
Por isso,
caros censores da pronúncia alheia, não faço nem farei qualquer esforço para renunciar
às minhas marcas regionais, até porque elas desaparecerão, naturalmente e com o
tempo, por força do poder televisivo. Não me espantarei, por isso, que um dia
me ouça a pedir um “coalho” estufado, em vez de “coelho”. Também nada farei
para o evitar. Até porque, assim
procedendo, coloco a minha teimosia ao serviço do princípio valioso de Celso
Cunha e Lindley Cintra, através do qual é veiculada a ideia de que é na enorme
variedade linguística da lusofonia que reside grande parte da riqueza do nosso
idioma.
Bem hajam!
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