Tal como Herberto
Helder, também José
Fontinhas recusava a exposição mediática. Talentos como o de Eugénio de Andrade
não procuram as luzes, ao contrário das traças. São as luzes que os procuram e
os não “deixam em paz”. Percebo as razões que sustentam tais atitudes, mas escritores
de tão elevado calibre literário não podem subtrair-nos o prazer de os ler e os
citar.
Porque há por aí tantas “traças” arvoradas em génios
das letras, que se atiram ao primeiro holofote que lhes aparece, não contribuirei
para que os bons, aqueles que nasceram verdadeiramente para isto, fiquem sem o
merecido reconhecimento.
Deixo aqui um dos poemas mais bonitos escritos
em Português. Um poema intenso que o autor reduziu a um título “vulgar” e de curta
extensão: “Adeus”.
Já gastámos as
palavras pela rua, meu amor,
e o que nos
ficou não chega
para afastar o
frio de quatro paredes.
Gastámos tudo
menos o silêncio.
Gastámos os
olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as
mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio
e as pedras das esquinas
em esperas
inúteis.
Meto as mãos
nas algibeiras
e não encontro
nada.
Antigamente
tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se
todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te
dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu
dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu
acreditava.
Acreditava,
porque ao teu
lado
todas as coisas
eram possíveis.
Mas isso era no
tempo dos segredos,
era no tempo em
que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em
que os meus olhos
eram realmente
peixes verdes.
Hoje são apenas
os meus olhos.
É pouco, mas é
verdade,
uns olhos como
todos os outros.
Já gastámos as
palavras.
Quando agora
digo: meu amor…,
já se não passa
absolutamente nada.
E no entanto,
antes das palavras gastas,
tenho a certeza
que todas as
coisas estremeciam
só de murmurar
o teu nome
no silêncio do
meu coração.
Não temos já
nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que
me peça água.
O passado é
inútil como um trapo.
E já te disse:
as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade, in “Poesia e
Prosa”
Bonito! Os poetas são gente que tudo vê. Parabéns pelo blogue, Alcídio.
ResponderEliminarObrigado. Conto com os seus comentários.
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