25/03/2015

Os poetas também morrem




Herberto Helder vai passar a comunicar connosco exclusivamente através dos livros. O dia 23 de março de 2015 pôs termo a 84 anos de criação poética daquele que é por muitos considerado o poeta maior da segunda metade do século XX.
Não querendo apoucar o talento dos demais contemporâneos do filólogo funchalense, vejo-me, no entanto, forçado a fazer justiça à grandeza de Herberto, reconhecendo nele um génio poético invulgar. Não menos digna de registo é a sua irreverente personalidade que deixou perplexo o país e o mundo, no momento em que se recusou receber o Prémio Pessoa, merecida distinção ocorrida no ano de 1994.
O seu desprendimento a distinções, a fuga constante do brilho dos holofotes e a desafeição pela promoção mediática, revelam uma faceta do poeta que, a par do poder literário da sua escrita, prevalecerá na mente culta das gerações futuras. Tudo fez para se manter longe de panegíricos que lhe roubavam o direito de permanecer oculto, mas todo o espaço foi pouco para esconder a sua grandeza.
A este propósito, sublinho a irónica coincidência que sobressai da ausência de acento gráfico no seu nome intermédio (Helder), como que a fazer perpetuar a sua vontade de se manter afastado da atenção dos “media”. É apenas uma impressão pessoal que me achei no direito de referir.
Em jeito de homenagem (não me leve ele a mal), deixo aqui um pedaço do seu engenho poético:


Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos : hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.

Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
                     o sangue que se agrava. [...]

1 comentário:

  1. Uma homenagem merecida. Confesso que muitos dos seus poemas são inacessíveis à minha capacidade de interpretação, mas o problema deve estar em mim. Não compreendo a teoria da relatividade, mas ela existe sem que eu a entenda.

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