“Não
havia necessidade”, diria o senso comum sobre tanto talento esbanjado em
toalhas de mesa e guardanapos, suportes perecíveis de escritos improvisados sob
o impulso libertino de um dos maiores vates do nosso património lusitano.
Teve
sobre ele a “responsabilidade” de protagonizar o desprendimento da atitude
clássica e inaugurar o impulso romântico.
Jacobino,
girondino, maçom, herege, revolucionário... tudo lhe foi associado, sem que
nada ele tivesse confessado. A única confissão, feita em poema, foi a do desejo
de se aproximar do estilo camoniano, como sujeito poético e como sujeito
empírico.
No
primeiro caso, é inegável a semelhança estilística entre os dois. Diria até que
o seu desejo foi de tal forma concretizado que acabou por se deixar aprisionar
pelo legado do príncipe dos poetas, ao ponto de ter prescindido do que poderia
ter sido se o não fizesse. Sobrava-lhe um potencial criativo que poderia e
deveria ter dado origem a um estilo próprio.
Mas ele assim não quis.
No
segundo caso, a situação
repete-se. Sob a divisa “Erros meus, má fortuna, amor ardente”, escolhe um
caminho adverso a um adolescente nascido em berço talhado a ouro. O que em
Camões foi uma inevitabilidade, em Elmano torna-se uma opção cônscia: má
fortuna procurada; erros seus não evitados; amor ardente que podia ter
alcançado, tivesse sido «capaz de assistir num só terreno» (Gertrúria).
Mas ele assim não quis.
A
vida foi-lhe encurtada por vontade própria. Nada retira de mim a convicção daquilo
que eu designo por “suicídio em banho-maria”, dada a forma como o ilustre
sadino perseguiu a referida divisa. Recomendo a leitura do romance “Já Bocage
não sou”, empaticamente escrito por José Jorge Letria, e dir-me-ão se comigo
concordam ou não.
Deixo
aqui um pedaço de arte lírica do grande génio:
Apenas vi do dia a
luz brilhante
Apenas vi do dia a
luz brilhante
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.
Lá de Túbal no empório celebrado,
Em sanguíneo carácter foi marcado
Pelos Destinos meu primeiro instante.
Aos dois lustros a
morte devorante
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e enfim meu fado,
Dos irmãos e do pai me pôs distante.
Me roubou, terna mãe, teu doce agrado;
Segui Marte depois, e enfim meu fado,
Dos irmãos e do pai me pôs distante.
Vagando a curva
terra, o mar profundo,
Longe da Pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.
Longe da Pátria, longe da ventura,
Minhas faces com lágrimas inundo.
E enquanto insana
multidão procura
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
Essas quimeras, esses bens do mundo,
Suspiro pela paz da sepultura.
Um grande poeta, ridiculamente retirado dos currículos do ensino secundário. Foi a forma mais rápida de o reduzirem ao anedotário, privando os nossos estudantes do notável Bocage lírico.
ResponderEliminarUm grande talento. Um homem que nos faz rir e chorar com igual poder.
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