07/12/2018

É “agachamento de pernas afastadas”, ouviste, menino?






   Há uns anos, numa das muitas escolas por onde passei, estava eu a preparar-me para gozar o descanso fugidiço de um intervalo da manhã, quando um aluno veio ter comigo e me colocou uma questão que despoletou o seguinte diálogo entre nós:



   — Ó Stôr, o meu Stôr de Educação Física repreendeu-me por eu ter dito que tinha feito 50 agachamentos de pernas abertas no espaço de 1 minuto. Acha bem?

   — Mas porquê? Achou pouco?

   — Não, não é isso! O que ele me disse é que essa coisa “de pernas abertas” não está correto. O Stôr é de Português e deve saber destas cenas, certo?

   — Bom, de cenas pouco sei, pelo menos dessas. Mas qual foi mesmo a justificação que ele te deu?

   — Disse-me que isso é um disparate, pois ninguém abre as pernas com uma faca para poder fazer agachamentos. Estes, segundo ele, são feitos “de pernas afastadas”.

    — Olha, rapaz, faz aquilo que ele te diz. Continua a fazer os teus agachamentos e não compliques.



   Com este comentário, dei por terminada a nossa prosa e recolhi à sala de professores.

É verdade que deveria ter prolongado a conversa e não deixar o aluno sem resposta. Mas estava cansado e ainda tinha umas fotocópias para levantar na reprografia. Além disso, o que teria para lhe dizer exigia algum tempo, coisa que não tinha.

   De facto, parece-me adequado o comentário do então meu colega de Educação Física. O que não achei correta foi a justificação que apresentou ao aluno. Não é por essa expressão significar um corte nas pernas que faz dela um disparate linguístico. Se assim fosse, estaria igualmente errada a expressão “receber alguém de braços abertos”, tão vulgarizada na nossa língua. “Pernas abertas” foi banida da terminologia do desporto tão só porque configura um caso evidente de tabu linguístico.

   Sim, este fenómeno existe e está mais impregnado na nossa língua do que aquilo que possamos pensar. Sempre que uma palavra ou expressão nos remete para planos de significação menos pudorosos, tendemos a substituí-la por outra que não fira o ouvido mais sensível. Veja-se o caso da palavra “bicha” (com sentido de fileira de pessoas) que, pelos mesmos motivos, foi preterida em favor de “fila”. Neste caso, perdeu-se uma linda metáfora, mas ganhou-se no pudor. Lembro ainda aqui a expressão “tens de te haver comigo” em substituição de “tens de te avir comigo” que, não fosse a força exercida pelo referido tabu, colocaria sob embaraço todo aquele que, falando com alguém do sexo oposto, enunciasse uma coisa deste género:



   — Desta não te escapas! Hoje à noite, tens de te avir comigo.


   Bom, acho que vou agora fazer alguns agachamentos, mas, à cautela, de pernas juntas.

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