Sou um dos
que apreciam Cohen em quantidades moderadas. Não porque não sinta uma vontade
constante de o ouvir, mas porque não o quero banalizar, fenómeno descarinhoso que
resulta da exposição massacrante que as rádios atuais fazem dos bons, como se
de quaisquer se tratasse.
É um músico
poeta ou um poeta músico? Que avance quem tenha a resposta. No entanto, faleça intelectualmente
quem afirme que Abrunhosa é o Leonard português.
A sublimação
literária dos músicos, adensada pela última decisão da Academia Sueca, abre um
precedente para prémios futuros e potencia a emergência de uma injustiça
retroativa. Um Nobel póstumo para músicos poetas já idos desta vida passa a entrar,
em paridade com os mestres das belas letras, nas fileiras literárias das
predisposições canonizadoras suecas (para memória futura).
Dos vivos,
Leonad Cohen não é “pior” que Dylan, não senhor. Não estão em causa os estilos vocálicos
de um ou de outro. Tanto a voz “preguiçosa” e solavancada do estadunidense como
o taciturno e sousafónico timbre do canadense fazem as delícias de qualquer
tímpano de bom gosto. Refiro-me essencialmente ao poder expressivo e figurativo
das suas composições literárias. Se os dizeres de Dylan tiveram o mérito de
mudar o estado de coisas do devir ocidental, as investidas poéticas de Cohen
desarrumam a nossa casa existencial, ganhando contornos ontológicos muito
próximos da reflexão filosófica mundial.
Que me desculpe quem
comigo não concorde, mas… enfim, esta é a minha opinião, que também já foi
melhor.
Dylan – que globalmente continua ser o meu cantor preferido – tem uma produção mais desigual e, nos últimos tempos, bastante apagada.
ResponderEliminarCohen, pelo contrário, teima em continuar a fazer obras-primas. Há nele uma teimosia, uma densidade e uma autenticidade especiais, em cada palavra, em cada refrão. E uma amargura gentil de que só ele é capaz.
Não é possível meter Abrunhosa neste campeonato (acho que até é ofensivo para o próprio). Tem jeito, mas falta-lhe (literariamente falando) aquilo que nos falta a quase todos: a capacidade de dar às coisas simples o estatuto de eternidade. Que Cohen e Dylan têm.
Mas é só a minha opinião. jmg
«Uma amargura gentil»: paradoxo delicioso, Gonçalves! É a este tipo de linguagem figurativa que me refiro quando falo do poder expressivo dos vates cantores. O tal «"nada" que é tudo» que, como bem dizes, concede a imortalidade apenas aos fora de série.
ResponderEliminarGrande abraço.