Fico intelectualmente
descomposto sempre que entro numa livraria e reparo em certos livros que, por
branda ciência, se apinham num mesmo espaço sob a designação classificativa de “Literatura”.
Bem sei que é difícil catalogá-los de outra forma, mas isso não é problema meu.
Valho-me do senso comum para dizer que me “causa alguma espécie” ver um Eça de
Queirós e um José Rodrigues dos Santos em comunhão literária.
Hoje, mais do
que nunca, o que vende é a leitura de consumo fácil. Qual Pac-Man ávido de boas histórias, o leitor preguiçoso enfarda o
enredo, página atrás de página. À medida que o faz, vai dizendo que não
consegue parar de ler, julgando estar, com isso, a abonar em favor da obra. O
problema é que está, pois recomenda-a de imediato a um amigo, acompanhada de um
irritante cliché: “Compra! Lê-se muito bem”.
A diferença
entre um mero contador de histórias e um escritor é simples: enquanto o
primeiro investe todo o seu esforço num bom argumento (quem sabe, já a pensar
em o ver transformado em guião para um futuro filme), o segundo valoriza a
forma como o coloca no papel, fazendo um uso cuidado das boas letras; enquanto
o primeiro se preocupa com o conteúdo, o segundo não se deixa aprisionar por
ele e leva-o ao leitor através de uma linguagem figurativa sublime, inseminando
a obra produzida com um ADN literário que faz toda a diferença.
Dirão uns:
“pois está tudo muito bem, mas não consigo ler um clássico em dois dias, que é
o meu ritmo de leitura. O mais certo é desistir logo no primeiro capítulo”.
Dirão outros: “o leitor está mal habituado, pois é-lhe pedida uma sensibilidade à arte que se recusa a assumir, alegando que isso lhe dá trabalho e lhe retira o gozo da leitura”. Mal
vão estes hedonistas primários que não percebem o prazer que teriam se sobre a
preguiça fizessem prevalecer o empenho interpretativo. É que um bom livro não
se lê, relê-se. Levei um mês a ler o Memorial do Convento e, de vez em quando,
ainda lá vou visitar umas páginas.
Concluindo: i)
não há boa nem má literatura; ii) há apenas literatura; iii) a expressão “boa
literatura” é tão pleonástica como “ambos os dois”.
Alcídio, eu confesso que também me sinto seduzida por essa leitura mais light. Ou seja, sou uma preguiçosa. No entanto, reconheço que uma coisa é a arte da escrita e outra uma história bem contada. De facto, não podemos colocar no mesmo patamar um Fiódor Dostoiévski e um Dan Brown. Mas a lei do menor esforço é irresistível. Parabéns por mais este artigo.
ResponderEliminarLetícia, sempre atenta ao meu blogue.
EliminarPelo que sei de si, não lhe assenta a autocrítica. Preguiçosa? Não me parece.
Obrigado pelos comentários.
Eça é que é Eça!
ResponderEliminarDestes, li ambos os dois.
Li Relíquia entre as maias. Os Maias emprestados pelo Padre Amaro.
O Rodrigues nunca li.
Grande post
Cheio de farpas
Abraço
Um comentário à Alex, espontâneo mas arguto, como sempre. És daquela cepa que não bota cacho só para encher barril.
EliminarObrigado.
Abraço.